Pages

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Enxaqueca do futebol brasileiro.

Domingo voltei da minha corrida de 5km e minha vista começou a embaralhar (médicos chamam de "aura"). Pronto! Era a enxaqueca se manifestando. Quando entro nesse quadro não tem jeito, é tomar o remédio, deitar e esperar passar a sensação horrível e o enjoo que seria acompanhado de uma forte dor de cabeça, fosse o remédio de fraca dosagem.

Fiquei quieto, sozinho aqui em casa, com a televisão no volume baixo e vendo começar a última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. Atlético-PR lutando para conquistar uma vaga na Libertadores, contra o Vasco, no sufoco para escapar do rebaixamento. O que veio depois todo mundo viu na televisão... (Pancadaria entre torcidas interrompe o jogo).

Fiquei perplexo, meu enjoo aumentou com as cenas de violência, com a covardia de alguns torcedores espancando os adversários já caídos na arquibancada. Instantaneamente senti um nó na garganta, vontade de mandar pararem, vontade de nunca mais assistir futebol, de desabafar com alguém para ter certeza que aquilo mesmo estava acontecendo.

Por sorte, ninguém morreu nesse triste, mas previsível, episódio. O jogo continuou - o que achei um grande risco a integridade de todos envolvidos no "espetáculo" - e o Atlético-PR ganhou com certa facilidade (5x1) e rebaixou o adversário.

Além da impunidade e da selvageria, duas coisas me assustaram ao longo da semana: Primeiro a justificava de algumas pessoas tentando defender uma ou outra torcida organizada, alegando legítima defesa, como se espancar alguém desacordado com uma barra de ferro pudesse se enquadrar nesse quesito. Segunda situação foram as atitudes de alguns dirigentes do próprio Vasco em tentar cancelar o jogo alegando que o juiz ultrapassou o tempo permitido para o retorno da partida, e que não havia segurança para tal. Então, por que voltaram a campo?

Quando imaginei que esse seria o último debate do ano sobre futebol, eis que surge uma polêmica envolvendo um jogador da Portuguesa que teria atuado de maneira irregular (teria sido punido com dois jogos e só cumprira um). A Lusa pode, se os "sérios" membros do STJD julgarem assim, perder os pontos e ser rebaixada, salvando o Fluminense. 

Engraçado, fiquei pensando, a gente nunca vê time perder pontos no meio do campeonato, só no final, já perceberam?! Outra coincidência é o "prejuízo" ficar na conta da Portuguesa e o "beneficiado" ser o Fluminense. Será que aconteceria a mesma coisa se o caso fosse o contrário?

Além da tristeza de ver o campeonato ser decidido nos tribunais, como era comum até a década de 1990 - e que eu jurava não ver mais isso, teríamos que crer muito na ética das pessoas para acreditar que não houve juízo de valor nesse episódio... Digo mais, antes que a enxaqueca resolva voltar: Por mais que a Portuguesa seja considerada culpada, será que tirar os pontos não é demais? Está claro que ela não agiu de má fé, não escalou um atleta suspenso na malandragem para levar vantagem. Isso fica nítido quando se constata que se trata de um atleta que ficou no banco de reservas e que só entrou no final do jogo (32 minutos do segundo tempo, com o placar em 0x0 e que terminou com esse resultado), numa partida que pouco valia efetivamente para a classificação dos dois times (Portuguesa e Grêmio). Acho a perda dos pontos, no mínimo, um exagero. Se tem alguma coisa por trás, não tenho como afirmar, mas deixa eu tomar outro o remédio de dose forte para suportar essa ética dos dirigentes do futebol do país.

Afinal de contas, o futebol está inserido na nossa sociedade, nos modos de agir, nas incoerências, nas corrupções e interesses escusos. Reconhecer esses nossos traços faz minha vista embaralhar novamente.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Mesma cidade, realidades distintas.

Acabo de ler e de compartilhar com meus amigos nas redes sociais que a Granja Comary está recebendo investimento na casa dos 15 milhões de reais para receber a Seleção Brasileira durante a Copa do Mundo do ano que vem.

Na matéria do GLOBO.COM não fica muito claro se o investimento vem da própria CBF ou se tem alguma participação do Governo Federal. Mas, sinceramente, isso é o que menos importa. Os valores já falam por si.

Todos lembram que em janeiro de 2011 a Região Serrana do Rio de Janeiro sofreu com fortes chuvas e o total de mortos passou dos três dígitos. Na mesma cidade da Granja, Teresópolis, pude presenciar cenas que nunca sairão da minha cabeça, como famílias destruídas, crianças órfãs, carros em cima do telhado de casas, bairro desaparecido sob as lamas; entre outros espirais de imagens, sons e cheiros que jamais me abandonarão.

O que causou maior perplexidade nesse evento foi o descaso dos poderes públicos, principalmente dos municípios. O Governo Federal liberou verbas para reconstrução da infraestrutura, bem como das casas e todo aparato que foi destruído, mas somente uma minoria dos atingidos conseguiu ter algum tipo de melhoria - muitas vezes amparados por pessoas físicas, vizinhos, voluntários... E o dinheiro? Boa pergunta. A chave para essa questão parece ser uma reprodução do que temos de mais comum e mais sujo na política brasileira: desvios, roubalheira e descaso.

Não tenho documentação para acusar ninguém e seria leviano fazê-lo, mas não precisa ser muito inteligente para imaginar o destino dos quase 800 milhões de reais que foram liberados, principalmente pela situação da região, que, de alguma forma, ainda não foi normalizada - algumas áreas rurais sofrem com as consequências dessas chuvas e muitos pequenos produtores não conseguiram se restabelecer.

Volto a esse assunto pela proximidade do tema e pela indignação que me causa esse tipo notícia relacionada à Teresópolis - e demais cidades Serranas. Estamos num momento de confusão/inversão total de valores, de naturalizar alguns descalabros, de achar normal uns pequenos luxos em nome da vitória da Nação numa competição como uma Copa. Mas um absurdo desses não pode acontecer com Teresópolis ainda respirando aqueles duros dias, em que vi a cidade que fui criado com um ar de pós-guerra, as pessoas num semblante pesado, a cidade mobilizada para chegar com mantimentos nos mais distantes lugares; o homem que vi com lama até o pescoço salvo pelo vizinho, etc.

Mas não, eles estão caprichando na suite master do Felipão! 15 milhões de reais investidos, quase uma aplicação de um dinheiro acompanhada de um sorriso cínico contra a população da cidade. Ou os valores estão invertidos, ou sou apocalíptico demais!?

Posso estar sendo piegas, mas não consigo separar as coisas quando presenciamos momentos tão diferentes. Se, por um lado, cansei de ver gente do bem daquela cidade não saber mais o que fazer para ajudar, abusando da criatividade para prestar algum tipo de serviço aos muitos que precisavam; por outro, vimos o dinheiro sumir e agora esse investimento astronômico no luxo dos heróis da Nação do futebol. O que pensar? Como separar as coisas? Como acreditar num país que trata de forma tão diferente sua população?

Infelizmente, só tenho perguntas. Sou um apaixonado por futebol, de ir no estádio torcer pelo meu time, mas a proporção econômica que o futebol tem tomado me preocupa e me enoja. Essa ligação do DESCASO X INVESTIMENTO na Granja, pode pecar ao colocar sujeitos distintos numa mesma análise (pois o investimento de uma situação não tem a ver, necessariamente, com o outro), mas a distância entre as realidades jamais será internalizada para mim como algo natural. Teresópolis ainda agoniza, mas será palco de festa num berço de ouro.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Trava-Língua do 'trá'.

Fiquei um trapo depois de tratar com o tratante que tratou de roubar o meu terreno. O tratante levou meu trator, fez distrato. Disse que trato não existe, e de que adianta um trator para reatar o que de fato nunca foi tratado?!

sábado, 17 de agosto de 2013

Aprecie com moderação.

Uso ferramentas modernas para recuperar sentimentos para lá de antigos. Navego por redes artificiais, não palpáveis, em busca de algo concreto, que dê sentido. 

De manhã acordei assim, nostálgico de mim. Vontade de sair um pouco desses fios invisíveis que nos metemos, dessa conexão atordoante que a vida (pós)moderna  nos colocou, de dar um salto para longe da areia movediça que a conexão instantânea me afundou. Cansado!

O mais desafiador é usar uma ferramenta típica da sociedade virtual para postar minha nostalgia. Mas aqui me apego e é como se estivesse tecendo letras em papel envelhecido, pautado, com cheiro...

Escrever é um desafogo, um alento das concretudes cada dia mais virtuais na nossa rotina. As pessoas já caminham olhando para baixo, mirando o celular, sem se preocupar, muito menos perceber as coisas que acontecem ao redor (me incluo nessa triste constatação). Hoje, o mais próximo é que está longe, a questão do tempo entrou em colapso, e tenho dificuldade de compreender isso com clareza.


(Imagem retirada do site: http://goo.gl/cLs3QJ)

Me deparo com uma cena que me angustia: Se estamos com alguém e o celular toca, o aparelho vira, naquele momento, o objeto mais importante do mundo, mesmo que se saiba que a ligação em si não tenha tanta importância. O interlocutor fica a deriva, esperando a ligação acabar para ter novamente a atenção da pessoa. Somos celular/dependentes!?

Na linha das novidades do mundo tecnológico, acrescento como as máquinas digitais - assim como os celulares usados como máquinas - ocupam o lugar dos olhos. Basta ver qualquer atrativo turístico para perceber: as pessoas tiram foto até do que nem imaginam, e muitas vezes, e essa é a principal questão, deixam de olhar, de vivenciar aquele momento, tudo em busca de ter um cem número de imagens que, em breve, serão despejadas nas redes sociais, numa espécie de demarcação de território, um jogo de conquistas que determina por onde já se passou.

Mas, obviamente, sei de todos os ganhos que tivemos com esses avanços e não sou nenhum xiita que é contra os avanços tecnológicos, radical contra qualquer tipo de inovação. Só me preocupa a intensidade com que nos apoderamos das ferramentas, como se fossem vitais, como se se tratassem de verdadeiros instrumentos de sobrevivência contemporâneos. Acredito que não, temos que usá-las a nosso favor, mas sempre sem se esquecer dos encontros reais, das paisagens com vento no rosto, num por-do-Sol belorizontino, num livro infantil contado para uma criança, numa conversa, onde os principais agentes são aqueles que estão trocando ali vivenciando as expressões, gestos e experiências. O telefone é ferramenta; e poderia ser aquele antigo, vermelho, usado só para ser atendido em caso de urgência.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Esse povo que só sabe reclamar de quem reclama.

E os caras não param de reclamar!

Exclamação para enfatizar, marcar uma conclusão impaciente, de quem já viveu muito e não consegue mais entender por que as pessoas reclamam tanto da vida. O pouco cabelo contrastando com os vastos que saiam da orelha são mostras que vaidade é coisa para jovens, pra quem perde tempo com essas bobagens... Uma descrição fiel seria um equívoco, deixo vocês com as pistas desse velho senhor que por uma fração de segundos cruzou meu caminho esses dias na rua. E como reclamava....

Entrei numa paranoia de tentar entender como uma pessoa que reclama tanto da vida (em tão poucos segundos), pode reclamar das pessoas que reclamam?! Eu sei, confuso, desculpa, mas foi isso. Segui meu caminho fazendo promessas aos céus que quando envelhecer não terei azedume desse nível nas veias.

Ainda podia ouvir a voz alta do velho senhor enquanto eu atravessava a avenida. Como reclamava de quem reclama... Achei graça. Fui percebido pelos outros, me senti culpado: não podia rir da situação daquele homem? Está certo, o mundo anda muito sério.

Voltei para dentro da timidez que protege e senti pena dele. Vai saber o que ele passa ou passou para estar reclamando tanto por aí (de quem reclama)?! É, vai saber... Resolvi não sentir nada mais. Ajustei os ombros, estava chegando em casa, o barulho atordoante da minha rua me desconectou. Entrei no elevador com a vizinha mal educada do 10º andar, fui ouvindo os lamentos rotineiros até a porta se abrir e eu ser salvo; desci, tive pena daquela caixa entediante que sobe e desce o dia todo. 

Cansei de pensar e entrei em casa reclamando para as paredes desse mundo louco que faço parte. Minha pimenta já mais morta do que viva (apesar de estar apenas uma semana comigo) nem me dava ouvidos... Fui para o banho reclamando desse povo que só sabe reclamar de quem reclama.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O pulso ainda pulsa.

Quanta coisa tem acontecido no nosso país nesses últimos meses: Povo nas ruas, Copa das Confederações, assassinatos bizarros, políticos fazendo o povo de trouxa, um vendaval de brasilidade. Mas será isso tudo novo, ou só um pouco mais do mesmo?

Essa é uma pergunta que me tenho feito desde que fomos para as ruas reivindicar sobre o preço das passagens, o absurdo do dinheiro gasto nos estádios e mais os infinitos motivos que temos para lutar. Acho que houve um cansaço geral. Como já vou me encaminhando para os 30 anos (isso não é assunto para se tratar agora, só para dar uma base temporal), percebo muito que passei por uma geração muito acomodada, de filhos de (aí sim) lutadores contra uma ditadura militar muito violenta. Essa minha reflexão não me tira da responsabilidade não - antes que alguém já venha me acusar, reconheço minhas dívidas. Mas sim, passei por uma adolescência de uma geração acomodada, deslumbrada com o começo desse mundo (encantado?) cibernético, apostando na democracia como mero resultado e fórmula pronta de sucesso.

Agora o jogo virou, me parece. Percebo (e o fato de estar na universidade convivendo com colegas mais novos me acrescentou esse olhar) que os jovens cansaram dessa brincadeira de NO VOTO QUE A GENTE MELHORA O PAÍS. Estamos vendo há tempos que não é por aí... O movimento de sair de casa para ocupar as ruas, para reivindicar o mínimo de compromisso dos representantes políticos, está vivo e presente nessa rapaziada que encarou acabar com o faz de conta que esses políticos se - e nos - meteram. Temos a felicidade de acompanhar bem de perto esse processo, mesmo que ainda sem entender muito bem o que e para onde vamos. Mas acordamos(?).


(Povo nas rua - centro do Rio - Imagem retirada do site: http://goo.gl/W3B4iv)

Relatar um processo enquanto ele acontece é das grandes dificuldades e das enormes armadilhas que podemos entrar. Mas vou me arriscando... Percebo que as esferas de poder andam receosas com os rumos que elas até então davam às políticas, mas que esse povo agora cismou (já era tempo) de tomar conhecimento e de questionar tudo. Os quatro poderes - acrescento a grande imprensa (assim como fazem alguns autores, e não sei precisar quem foi o primeiro a utilizar esse conceito) - estão pisando em ovos sem saber muito bem onde, ou em quem andam pisando.

Essa reflexão me traz uma curiosidade sobre o processo eleitoral que está por vir no final do ano que vem. Arrisco-me (fique à vontade para discordar) a dizer que a base de todo nosso questionamento está na forma e na estrutura do nosso fazer política. Penso que refletir sobre essa engrenagem é o fundamental pilar para mudarmos de fato alguma coisa no Brasil. Nossa construção política é engessada, com os três poderes já cheios de um ranço de alianças para governar, tendo a grande mídia como mediadora e definidora de rumos (através das concessões midiáticas que, na verdade, são tema para outra hora), conceitos e tendências.

Vivemos um momento único de reflexão e de uma oportunidade singular de vermos algo mudar nesse cenário político. Não acredito mais nas legendas políticas e acredito cada vez menos no nosso presidencialismo tupiniquim (onde, para se governar é preciso fazer aliança com o PMDB, por exemplo - coisa boa não pode sair). Também não tenho habilidade, muito menos pretensão de apontar para um caminho mais correto e eficiente para mudarmos o jogo. Hoje, na realidade, estou apostando muito mais nas pequenas ações e nos pequenos movimentos que partem de atitudes nas relações cotidianas. Não adianta irmos para as ruas protestar por honestidade e ética, se não somos capazes de cumprimentar o porteiro do prédio, de ceder o lugar no ônibus para uma senhora de idade, de agir com honestidade sem querer levar vantagem e ser o malandro da história... Fica parecendo um pensamento pueril, meio piegas, mas acredito que nossa retomada de um país digno e honesto na política - independente do formato que ela tiver - começa com os cidadãos que formamos e que serão representantes no futuro.

Posso ter me tornado num homem utópico e até certo ponto ingênuo depois desses movimentos nas ruas, mas confesso que eles me resgataram da total descrença sobre o futuro político do nosso país. O que virá pela frente só o tempo dirá, mas meu otimismo ganhou sobrevida e saiu da UTI, espero que os corações não parem de bater em cada peito de quem ainda acredita.

Ah, para não deixar passar: 

#FORACABRAL

[O que achou do texto? Curtiu? Compartilhe com seus amigos, comente, critique; fique à vontade].

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Se não foi no bar que conheci meus grandes amigos, foi lá que os laços se estreitaram" (Carlinhos Horta).


[Outra hora volto com texto!].

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

...as cortinas se fecham lentamente...



Saber que a velinha apagou  é doído demais. Vó era tão serena, combinava tanto com paz... Perder vó é como ter só na memória os grandes momentos da minha infância passada em BH. Os meses de férias da escola em que lá, na grande casa, eu morava. Como eu admirava as histórias contadas por ela...

Corria para cama dela e de vô quando a saudade de casa apertava. E vó cantava:  

[“Na hora em que as cortinas se fecham lentamente, a noite vai descendo silenciosamente...”] - e eu me acalmava, pegava no sono, deitado entre dois.

Hoje as cortinas se fecham, as cortinas de nossos sonhos, das flores lindas que ela molhava e do presépio enorme que eu a ajudava a preparar. Vó me ensinou mais que ser um cara correto, ela acreditou nos meus sonhos, riu comigo das coisas engraçadas da vida, me mostrou que amizade e alimento são coisas importantes: sempre cabe mais um na mesa, a fartura da comida é para os que chegam sem avisar. Aprendi que se pode acolher em casa outros filhos postiços, mesmo quando se tem 10 para criar. Sobre amizade, sempre quis saber, curiosa, dos amigos que fiz e sempre se orgulhou deles junto comigo, me ensinando a valorizá-los.

[“Os olhos cerro e durmo em meu quentinho leito, sonho por mil mundos, passeio satisfeita...”].

Me dizia também que não devemos chamar ninguém de BURRO, “é uma palavra muito forte, meu filho, é muito feio”. Sempre sorria quando chegávamos de viagem para visitá-la - abria um sorriso enorme, gostoso, sorriso de vó... E sempre “reclamava” na hora que tínhamos que voltar. Das últimas visitas, já no hospital, peguei-a de surpresa e ela: - meu amor...

Que saudade eterna, vó.

Só vó... Só ela falava “meeeeel”; só ela me dava conselhos amorosos tão ultrapassados, mas tão modernos...; só ela que eu tomava a benção e recebia um “Nossa Senhora do Carmo te abençoe, meu filho” mais lindo; só ela sorria com alma. Só ela, mesmo já com os 94 anos falava: - hum, que vontade de tomar um choppinho... Só vó imitava o Michel Jackson toda linda; só ela ficava deslumbrada com a internet, mesmo sem entender muito bem; achava aquilo tudo fantástico, uma maravilha.

[“Ainda ontem, bem me lembro, sonhei que entrei numa cidade e que cidade linda!”].

Vó cozinhava pra gente, fazia um pão absurdo, escrevia nossas iniciais no empadão quando chegávamos. Preparava um frango a molho pardo que é só o meu prato predileto. Vó me alimentou de sonhos... me fez viver uma infância verdadeira, me fez me orgulhar do hino nacional, me fez aprender a respeitar os mais velhos, me deu bronca quando atrasava para os eventos da família, quando sujava o pé de preto, jogando bola sem tênis. Me presenteava, me ensinou a rezar, a acreditar demais em Deus. Talvez seja minha maior ligação com Ele, seja meu elo mais perto do Divino; da nossa raiz forte, aprofundada nas belezas das terras mineiras de Diamantina. Me fez valorizar família, a nossa família...

Por causa dela que descobri que existe dia da avó, por ela comprei um vaso lindo de flores e recebi um sorriso lindo em troca... 

Por causa dela tudo aconteceu em nossa família, ela trabalhou nos Correios, mesmo grávida, lá no meio do século passado.

[“Pena é não ser verdade. As ruas todas eram de pão-de-ló calçadas, de rapadura as casas, os muros de queijada”].

Agora a gente sente muito, perder duas avós em tão pouco tempo não é fácil. Mas elas descansam e nos abençoam lá de cima. Vó Côca baila uma música linda em serenata; Vó Côca, serena, recebe a bênção dos deuses, é recebida pelos nossos que lá em cima já se encontram. 

Vó Côca nos deixou aqui, estamos tristes, desacostumados sem esses anos todos de companhia e alegria, mas ela é eternamente a dona de meus sentimentos mais verdadeiros e puros, de menino que a admira só por fazer parte de sua família, de ser neto, de ter o sobrenome, de ser dela. 

A sua bênção, minha avó, e que Deus nos abençoe, ainda mais iluminados com sua companhia.

Vó Côca é assim, é amor que transborda!

[“A catedral enorme era de goiabada, 
com um sino e duas torres, 
todos de marmelada. 
Na biblioteca tinha só livros de biju, 
mesas de queijo suíço, 
cadeiras de sagu. 
Empadas descobertas serviam de canteiros, 
por flores tinham dentro os camarões inteiros. 
Chovia cajuada, 
groselha e capilé, 
em lamas de groselha eu escorregava o pé. 
E eu comendo sempre, 
comendo sem parar, 
quando a mamãe me veio de súbito acordar. 
Vocês façam idéia como fiquei zangada, 
tinha um pudim de creme apenas principiado!”]

Pessoas pelo mundo que passaram por aqui:

Total de visualizações de página

Facebook