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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Analisando com o olhar de hoje.

Estava lendo um conto de um sujeito chamado Carlos Drummond de Andrade, conhecem? Sensacional esse mineiro de Itabira. O texto dele não se lê, se escorrega. Digo isso porque a leitura é muito fácil, flui como um rio descendo seu curso natural...

Mas uma coisa ficou latejando na minha cabeça: o tal do nosso tempo. Impressionante, com o passar dos anos, dos hábitos e dos costumes, coisas que eram comuns antigamente viram absurdos hoje em dia. Pois bem, analisemos: "...a saudade do mano muitas vezes estragava nosso banho no poço, irritava ainda mais o malogro da caça de passarinho." Pronto, se esse conto de Drummond fosse escrito hoje o grande poeta seria acusado pelos ambientalistas, o crucificariam por incentivar o extermínio de raras espécies de pássaros, um homem terrível, o pior exemplo para nossas crianças - muitos bradariam!

Mas percebam o contexto, o momento histórico que o conto "A Salvação da Alma" foi escrito. Era comum aos meninos do interior, ainda mais do interior de Minas Gerais, caçar passarinhos, criar pombos (como relatam meus tios); coisas que vistas hoje em dia causam arrepios nos teóricos de plantão. 

Fiquei divagando... se fosse hoje Drummond sofreria uma investida de um repórter com uma câmera escondida, para verificar se ele cria espécies raras em sua casa, em Itabira. Seria matéria para encerrar o 'Fantástico', da Rede Globo. Estaria nosso grande escritor fadado a passar alguns meses nas prisões brasileiras pelo incentivo ao crime ambiental. Já pensou? (Antes de criar polêmica entre os 7 leitores do ESCONDIDIN, digo logo e brevemente que sou a favor de pássaro solto no seu habitat natural. Ponto!). Mas vivendo na nossa loucura do século XXI, Drummond poderia ser acusado e alvo de críticas pra todo lado.

Mas, feliz é nosso escritor que não precisa ter seus textos analisados e julgados como crime e, ao mesmo tempo, ser obrigado a se deparar com análises contundentes e muito sérias de programas de televisão, como diversos exemplos que conhecemos muito bem - não vale nem a pena enumerá-los.

No entanto, amigos escondidos, e para mostrar que Drummond também poderia ser um senhor muito antenado com os fenômenos atuais, percebam o começo da frase citada: "...a saudade do mano muitas vezes estragava nosso banho no poço...". Pronto, muitos analistas verificariam a presença de um claro relacionamento homossexual entre esses 'manos'. E agora, mais do que em qualquer outro trecho do livro, Drummond seria absolvido, estaria apenas representando as relações tão comuns do nosso dia-a-dia.

Num pequeno trecho pinçado de uma obra grandiosa de nossa literatura podemos fazer o mesmo exercício que nossa grande mídia faz ao reproduzir uma declaração de uma figura importante. De acordo com o interesse editorial, eles moldam da forma como querem e ainda transformam trechos pouco relevantes de um grande contexto numa manchete de jornal, como no nosso exemplo que poderia ser: "EM CONTO DE DRUMMOND PROTAGONISTAS VIVEM RELAÇÃO HOMOSSEXUAL". Pronto, a manchete está criada, o jornal será vendido, mas será que é isso mesmo?

Pois bem, quem já teve a oportunidade de ler esse conto (A Salvação da Alma) sabe muito bem que o autor descreve os momentos de saudade do irmão mais novo quando o mais velho se muda de cidade para estudar. Esse é o fato, esse é o contexto, essa é a verdade. Mas quem se importa? O jornal já foi impresso, já está nas bancas com a polêmica manchete na primeira página. Cabe a Drummond desmentir e provar que aquilo que dizem não é aquilo que ele escreveu. Mas quem paga por esse erro?

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