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quarta-feira, 4 de março de 2009

Mundos Opostos 3 (continuação - último capítulo).

[Caros amigos, está chegando ao fim a saga do conto "Mundos Opostos". Espero que curtem essa terceira parte. Só para ajudar, a primeira parte foi publicada no dia 20/01/2009 e a segunda, no dia 12/02/2009. Quem quiser ler as três partes na sequência, também pode acessar um blog que fiz só com esses três capítulos. O link está aí em cima, no título Mundos Opostos. Aguardo o comentário de todos. Um abraço].


Ricardo chegou em casa tentando entender o recado daquela coincidência do nome da boneca. - Como é possível uma pequena criança desconhecida ter uma boneca com o mesmo nome da minha filha? - se perguntou abanando a cabeça, tentando achar alguma relação do destino entre ele e as irmãs.

Reabrir sua casa sem ter a presença de seus amores foi um dos momentos mais difíceis para ele. Agora era preciso encarar toda aquela solidão, o quarto vazio da filha, a falta da companheira de doze anos de união.

Ricardo apoiou o corpo no portal do seu quarto e, por um momento, viu passar um filme de toda sua relação naquela casa. Não conseguia parar de pensar um minuto sequer em sua vida dali em diante naquele lugar. - Preciso vender logo esse apartamento - prometeu para si mesmo. Continuar naquele ambiente seria uma tortura.

Por algumas horas ficou revirando fotos de sua família pelo apartamento, remoendo uma dor incalculável, chorando lágrimas de um passado lindo, destruido num brutal acidente. Tentou entender a irresponsabilidade no trânsito, procurou culpados em sua mente, mas sempre se afundava nas suas perdas. Já na madrugada, e sem muita força de tanto sofrer, Ricardo adormeceu como uma pedra.

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Aquele seria o terceiro final de semana seguido que o professor visitaria Bianca e Branca. Assim como combinado, a freira ligou para ele no começo da semana confirmando que os pais não tinham previsão para visitarem as pequenas. Estava liberado para ele passar mais alguns minutos com as irmãs.

Os três já desfrutavam de algumas intimidade. Na verdade, as duas aguardavam ansiosas a visita do "tio Ricardo" e juntavam os assuntos da semana para contar as novidades. Criava-se uma sintonia familiar.

Ele, por sua vez, alegrou-se com o telefonema da irmã e aproveitou toda sua (pouca) criatividade para levar algumas coisas as pequenas meninas. Naquele final de semana ele prometeu que levaria pingos de chocolate com sorvete de creme - era um pedido de Bianca.

Ricardo contou os dias para o sábado chegar logo. Era mais uma oportunidade de continuar aquela história que contava todas as vezes para as irmãs, uma bonita história de uma princesa e de uma rainha, que foram para um país bem longe, e que retornaram ainda mais lindas para suas casas. As meninas adoravam a riqueza de detalhes da história, os olhinhos brilhavam em cada parte nova do conto. Mal sabiam elas que o divertimento que irradiavam era um combustível para o "tio Ricardo" continuar vivendo.

Além da encomenda dos doces e da continuação da história na cabeça, Ricardo comprou dois cachorros de pelúcia para presentear as pequenas. O arsenal de surpresas estava pronto, e o sábado se aproximava.

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Como sempre fazia nos dias de visita, Ricardo abriu todo o vidro do carro para sentir o ar fresco daquele belo lugar aonde fica o internato. Olhou para o banco do carona conferindo, mais uma vez, se todos os presentes estavam ali. Deu um sorriso e acelerou em direção a escola "Ursa Maior".

Desceu do carro e foi entrando como sempre - afinal, sábado era o dia das visitas. Várias crianças brincavam e corriam ao redor dos seu parentes, apreciando os brinquedos e as visitas que recebiam. Correu os olhos procurando as pequenas, mas não as encontrou. Procurou mais uma vez, com a testa franzida, mas só se deparou com a freira caminhando em sua direção. Seu coração foi a mil. - O que será que aconteceu com as meninas? - indagou-se.

Seu olhar interrogativo foi o suficiente para que a irmã Adriana já chegasse explicando que as meninas tinham sido levadas pelos pais no dia anterior.
- Mas por que a senhora não me avisou? - disse, atordoado.
- Como o senhor é amigo da família, imaginei que já soubesse - explicou a irmã.
Por um momento Ricardo sentiu raiva de sua mentira construida no primeiro dia. Não podia revelar toda a verdade agora, e não tinha tempo para explicações.
- Eles foram para onde?
- Acho que para casa, na cidade ao sul dessa estrada, há uns duzentos quilômetros - esclareceu Adriana, tentando ajudar aquele simpático senhor, que, pelo menos com algumas visitas, conseguiu fazer aquelas meninas mais felizes.

Ricardo mal se despediu e saiu correndo em direção ao carro. Sua mãos tremiam e sua mente parecia congelar com aquela notícia. - O que os pais delas estão fazendo? Não consigo entender essa mudança de atitude tão rápida... - perguntou-se tentando achar uma repsosta. Ele saiu acelerando na direção indicada pela freira. Mas o que ele queria encontrar?

A chegada naquela pacata cidade fez com que Ricardo tivesse certeza que aquele era o local aonde as crianças estavam. Ele não sabia ao certo, mas algo dizia que era por esse caminho que ele deveria continuar. Seguiu uma avenida principal e viu surgindo bares, restaurantes, padarias, praças, igreja, hospitais; enfim, tudo que se encontra numa cidade mediana, do interior. Sua presença naquele lugar era novidade para aqueles moradores, que pareciam conhecer as pessoas que chegam de fora da cidade.

- Eles moram no bairro Ipipoca, se for quem eu to pensando... - disse a Ricardo um dos frenteistas do posto.
- Como faço para chegar lá? - perguntou apressado.
- Vich, é moleza - continuou o modesto senhor - é só seguir essa avenida até o alto do morro. Quando chegar lá em cima o senhor vai ver uma pracinha. Vire a primeira esquerda e chegará na casa. Qualquer coisa é só perguntar por lá, todos conhecem seu Romão - finalizou um simpático senhor, todo uniformizado de macacão verde com o símbolo do posto no peito.

Ricardo agradeceu a informação com um sorriso amarelo e seguiu em direção a seu destino. Por um momento pensou em desistir, tentava entender o motivo que o levara até àquele lugar, àquela situação. Era tudo muito confuso em sua mente, um vendaval de pensamentos se misturavam quando se tratava de sua nova - e solitária - vida.

Quando percebeu, já estava na rua do bairro Ipipoca. Bastou entrar naquele lugar todo arborizado para ele sentir que ali moravam os pais de Bianca e Branca. Foi andando devagar com o carro, observando as bonitas residências que formavam a rua Jasmim. Na penúltima casa, a esquerda, Ricardo notou uma movimentação maior de pessoas. Parou o carro e ficou observando a pequena festa que se formava no quintal, com um reduzido número de convidados. Franziu um pouco mais a testa até encontrar as duas meninas sentadas lá no fundo da casa, brincando com mais três crianças. Correu os olhos pela casa e pode reconhecer os pais das meninas se confraternizando com os amigos. Pareciam estar em paz, numa alegria que ele não imaginava.

Ricardo sentiu uma mistura de sentimentos. Passou da tristeza de sua perda pela alegria de ver as duas meninas de novo com os pais, e sentiu até raiva de si mesmo, por se obrigar a passar por toda aquela tortura, tentando desafogar seu sofrimento em outras pessoas que nada tinham a ver com suas perdas. Socou o volante e mordeu os lábios. Olhou de novo para as pequenas lá no fundo e sorriu. - Elas não precisam mais de mim - conformou-se.

Acelerou o carro e fez a volta lá na frente, queria passar em frente da casa mais uma vez. Ao se aproximar do portão, observou que mais um casal com um pequeno filho andava em direção a casa. Ricardo então chamou o menino e pediu um favor a ele: - Será que você pode entregar esses dois cachorrinhos a Bianca e a Branca, por favor? - disse sendo observado pelos pais do garoto - Ah, diga a elas que foi o tio Ricardo quem mandou - concluiu agradecendo a getileza do pequeno.

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Bianca e Branca receberam o amiguinho que vinha com dois cachorrinhos de pelúcia na mão. Ficaram eufóricas com os presentes, mas nada que se compare com o momento em que o pequeno Artur revelou que quem mandou aquele presente foi um tal de tio Ricardo, que estava ali fora, num carro vermelho. As duas se entreolharam e sorriram de felicidade. Sem dizer uma palavra, foram correndo para a porta, mas não encontraram ninguém ali. Bianca apertou seu bichinho contra o peito; Branca, por sua vez, tentou avistar algum carro adiante, mas nada encontrou. Ela sorriu para a caçula e afirmou convicta: - Eu disse para você que ele viria nos visitar. Pena que não pôde entrar. Tenho certeza que ele iria adorar saber da nossa volta para casa. Vou correndo mostrar meu presente para mamãe - segurou a mão da irmã, indo em direção aos adultos.

Mal sabiam aquelas meninas que a volta repentina para casa - motivo de tanta alegria para elas - foi justamente pelo aparecimento do "tio Ricardo". Tudo aconteceu a partir do dia que os pais das duas se encontraram com o professor na lanchonete da estrada. Depois daquele breve encontro, ficaram imaginando o quanto estavam sendo cruéis com suas meninas. Perceberam que todo aquele trabalho que tinham em criar as pequenas Branca e Bianca era muito menor do que o peso de perder (se afastar) de suas filhas. Desde aquele dia - repito -os dois não pararam de se indagar sobre a decisão de se afastar das meninas. Começaram a planejar uma mudança de suas rotinas, de uma maneira que as duas fizessem parte daqueles momentos. Perceberam, enfim, que mais do que ser feliz em dois, era possível ser ainda mais feliz com a presença das filhas. Para isso, resolveram apostar numa mudança dos dois, como casal e no retorno das filhas.

- Somos, meu bem, - disse uma vez Ana Romão, mãe das meninas, ao marido - eternamente gratos àquele homem desconhecido, que estava desesperado na lanchonete, querendo um pouco de atenção para compartilhar a perdar de seus amores.
- É verdade, querida, queria eu um dia abrir as portas da nossa casa para aquele senhor solitário - concordou Nelson Romão.

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Ricardo partiu apressado, depois de entregar os presentes para aquele menino. Nem imaginava a alegria que causou naquela família. Não só foi o responsável por fazer aquelas duas meninas um pouco mais felizes durante o período em que viveram no internato, como também, foi o verdadeiro motivador da mudança de atitude dos Romão.

Pela primeira vez desde o trágico acidente, Ricardo ligou o som do carro e conseguiu se desligar um pouco de sua intensa vida desde aquele dia. Abriu os vidros e ficou tentando adivinhar o motivo da volta das meninas para casa. - O que será que fez com que eles mudassem de idéia? - perguntou alto. - Vai entender esse povo! Tomara que Bianca e Branca sejam muito felizes agora - disse ainda mais alto, concentrando num hit de sua época que tocava na rádio.

Aquele homem partiu mais aliviado para cidade, sem ter a noção da sua importância naquela família. Mesmo tendo sua vida destruída num acidente, Ricardo foi grande e solidário para reconstruir um lar que se desfazia. Como uma floresta devastada, ele tirou forças de sua dor para replantar uma muda de recomeço na vida da família Romão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Fala garoto!
Que beleza. Agora a história está completa.
Parabéns. O conto ficou muito bom.
Já pensou no próximo?
Um abraço.
Rubem.
terapiadecutuvelo.blogspot.com

Rafael Horta disse...

Muito bom primo. Continue escrevendo, assim como ler, escrever faz muito bem para a alma.

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