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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Crime de palavra.

Escrevo por cima de palavras que foram apagadas. Elas não serviram para transmitir o que era preciso, foram eliminadas. Seus restos encontram-se enterrados nessas páginas, só vejo sombras e nada mais. Não houve testemunhas desse extermínio feito por mim e minha cúmplice, a borracha. Não há provas, nem documentos; então, não há crime.

Posso ficar tranqüilo, não serei condenado, nem apontado por famílias órfãs de suas palavras queridas. Imaginem como seria minha situação no tribunal: diversas palavras soltas acusando-me de acabar com a coesão e coerência, destruir seus parentes.

- Cadê a palavra “não”? - indagaria uma inconsolável palavra “nunca”.
- Não sei, ela sumiu do nada - eu responderia cinicamente, sendo observado atentamente pela “mentira”.

O juiz “por que” passaria por maus momentos - coitado. Meu advogado, da família dos adjetivos, destilaria argumentos a meu favor, me qualificaria ao extremo. Do outro lado, na acusação, teria que me deparar com o advogado da família dos advérbios, que tentaria modificar a opinião do juiz e dos jurados, verdadeiros verbos. Esses jurados, aliás, tentariam desvendar alguma ação, estado ou qualidade que pudessem me condenar ou livrar-me da pena.

Mas, como comentei, crime sem provas não dá em nada. Ainda mais no “Brasil”. Essa palavra grandiosa (apesar das seis letras), mas tão rica de exemplos de crimes sem punição. Por isso, posso tranqüilizar-me na cama quente. Vivemos num país democraticamente impune, para qualquer tipo de crime.

Só tenho medo, na verdade, da dona gramática, uma senhora cheia de complexidades, que amedontra seus subordinados. No quintal de dona gramática, ninguém se sobressai. Basta um escorregão e pronto, ela esfrega na cara o erro cometido. Em seu terreno nenhum delito - o menor que seja - passa impune, ela castiga mesmo. E não há hierarquia nem privilégios, basta estar vivo e se comunicando para ser surpreendido por leis que ela impõe com autoridade. Não há um que não se assuste com seu poder.

Nosso Brasil poderia aprender um pouco com essa senhora. Quem sabe não respeitaríamos um pouco mais as leis e, até mesmo, temeríamos ser desmascarados da fantasia que usamos para driblar os códigos vigentes?! Seria a linguagem e suas regras ensinando uma imensa nação a crescer.

15 comentários:

Anônimo disse...

Concordo contigo, o Brasil tem mesmo muito o que aprender com essa senhora.

http://blogs.abril.com.br/blogonauta

Anônimo disse...

uma auto reflexão, indganação??


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http://jcdigital.blogspot.com

Andanhos disse...

Oi, Carlinhos. Que interessante seu blog!
Vi que você gosta da cultura espanhola... Sou professora de língua e literatura, moro na Espanha e estou terminando meu doutorado. Se quiser trocar idéias, precisar de alguma informação ou dica, é só dizer.
Sobre seu post, de fato é importante que o povo aprenda mais com essa senhora, pois por meio dela virão novos conhecimentos e a possibilidade de compreender seus direitos e deveres de cidadão, de se expressar e de se fazer entender.
Mas o que muita gente não se dá conta é de que ela está a nosso serviço e não nós ao dela. Assim como acontece com os políticos...
As relações de poder são realmente muito complicadas, né?
Um abraço.

Andanhos disse...

Obrigada!
Tudo bem, pode sim.
Meu email é liegerinaldi@yahoo.es
Beijos.

Erich Pontoldio disse...

ótima narrativa de uma indignação que faz parte do pensamento de muitos brasileiros.

Anônimo disse...

achei bem interessante.. o modo que você narra fica da hora..


Vhttp://www.blogpaporapido.blogspot.com/

Picolé de Chuchu disse...

Esse texto deveria ser lido por mais pessoas...muito bom!!


http://wwwpicoledechuchu.blogspot.com/

Passa là!!!

Kacau disse...

querida, assassinaram a gramática há tempos,se essa senhora por acaso desse uma espiadinha no orkut, talvez ela mesmo pedisse para sair do Brasil.

http://messnatural.blogspot.com/

Unknown disse...

^^

muito bom texto e Otimo Blog ^^

abçs ai...

Wander Veroni Maia disse...

Olá!

Para toda regre existe uma exceção. E isso é o mais bacana do nosso rico idioma. A nossa língua é mutante, mas possui regras para orientar, e não para castigar. Já no caso da falta de impunidade, é preciso mais empenho da sociedade para pressionar os nossos legialadores a mudarem as nossas leis e realmente punir quem comete um crime.

Abraço,

=]

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http://cafecomnoticias.blogspot.com

Keka Barros disse...

todos deveriam aprender com essa senhora, precisamos mesmo!

Anônimo disse...

Ótima crônica! A gramática pode nos ensinar muita coisa, mais do que eu poderia imaginar.

As palavras têm muito a ensinar ao Brasil, com certeza!

http://dull-flame.blogspot.com/

Blog :: Por dentro da TV disse...

Um dos melhores textos que já li, mto bom mesmo!



[link]
http://pordentrodatvdiogo.blogspot.com/

Rodrigo Ribeiro disse...

Da hora!
Ótima reflexão!

Anônimo disse...

Ô cara.
Já que o assunto é palavra, toma liberdade de enviar um poemeu sobre elas.

PALAVRAS
Palavra de sonho.
Palavra de alegria.
Palavra de cantar.
Palavras lúcidas. Palavras lúdicas.
Palavras de viver.

Palavra de insensatez.
Palavra de ciúme.
Palavra de dor.
Palavras sórdidas. Palavras mórbidas.
Palavras de sofrer.

Palavra de sagração.
Palavra de flores.
Palavra de cores.
Palavras mágicas. Palavras cálidas.
Palavras de enternecer.

Palavra de vingança.
Palavra de ódio.
Palavra de rancor.
Palavras pérfidas. Palavras gélidas.
Palavras de esquecer.

Palavra de carinho.
Palavra de libido.
Palavra de beijo.
Palavras sôfregas. Palavras ávidas.
Palavras de prazer.

Palavras tantas.
Palavras... mais que palavras.
Um abraço.
Rubem.
(terapiadecutuvelo.blogspot.com)

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